Cultura Tradicional
Koinobori
O correspondente aos meninos do Hinamatsuri acontece no dia 5 de maio. Durante os anos de ocupação pós-guerra, o nome do festival foi mudado de Tango no Sekku (Dia dos Meninos) para Kodomo-no-Hi (Dia das Crianças), mas continuou sendo celebrado da mesma forma e somente para os meninos.
Em todo o país, famílias com filhos homens hasteiam, neste dia, sobre um mastro de bambu, o Koinobori, que é uma carpa colorida de tecido ou papel. Quando o Koinobori é visto tremular junto ao céu azul tem-se a impressão de estar vendo uma carpa nadando contra a correnteza. O Koinobori representa o Dia dos Meninos, e a carpa é um símbolo de força, persistência, bravura e sucesso. Esse peixe consegue nadar e subir correntezas e cataratas sem a ajuda de ninguém, e numa fábula chinesa, a valente carpa se transforma num dragão no final da escalada. Os atributos que a carpa simboliza parecem virtudes militares (persistência, coragem, sucesso), e de fato, ela está em algumas lendas que falam de guerras ocorridas num período remoto, tanto é que nos santuários do deus da guerra, Hachiman, são distribuídos amuletos em forma de carpa.
A prática de hastear o Koinobori surgiu no século XVII entre os plebeus urbanos, que resolveram apresentar uma alternativa ao costume dos samurais de exibirem suas armas e armaduras no Dia dos Meninos. Além de ser mais simples, a carpa de tecido simbolizaria os mesmos valores pretendidos pelos guerreiros sem ser tão ostensivo. As duas formas de celebrar a data foram mantidas por muito tempo. Mesmo atualmente, além do Koinobori no lado externo da casa, os meninos devem expor dentro de suas casas, miniaturas de bonecos de guerreiros, com armadura, arma e capacete.
Os alimentos associados a esta data são o chimaki (bolinho de arroz embrulhado em folha de bambu) e o kashiwa mochi (bolinho de arroz recheado com massa de feijão doce e embrulhado em folhas de carvalho).
É costume também colocar essências ou folhas de íris na banheira (ofurô) nesse dia. Acredita-se que o forte aroma de íris afaste os maus espíritos, e além disso, íris chama-se shõbu no Japão, que é foneticamente igual a shõbu, que significa luta. Assim, os antigos samurais ligavam essa planta à sorte na guerra ou batalha.
Os costumes mudam com o tempo e hoje é possível ver famílias hasteando o Koinobori para suas filhas. O Dia dos Meninos, que agora é o Dia das Crianças, é o último feriado da seqüência chamada de "Golden Week*" pelos japoneses da atualidade, ávidos por um descanso prolongado. Em tempo de paz, o Koinobori continua colorindo o céu e "nadando", mas num outro contexto.
* Dia 29 de abril - aniversário do Imperador anterior, dia 1º de maio - dia do trabalho e dia 5 de maio dia das crianças.
SEKKU Momo no Sekku e Tanga no Sekku são dois dos cinco "Sekku" originários da China, ainda celebrados no Japão. Durante o período Edo, tais festivais foram estabelecidos para marcar a passagem do ano, e são sempre simbolizados por uma flor ou planta.
Kataná
ESPADA JAPONESA - NIHONTÕ
Símbolo de força, de uma cultura e de um país, a espada curva japonesa é um ícone universal. Feita artesanalmente com uma técnica desenvolvida ao longo de mil e quinhentos anos, ela é internacionalmente reconhecida como a espada de mais alta qualidade já produzida pelo engenho humano, extremamente valorizada e cobiçada por colecionadores no mundo inteiro. Entre fatos e lendas a respeito deste venerado objeto, Cristiane A. Sato, colaboradora do CULTURA JAPONESA, apresenta a seguir uma introdução ao fascinante mundo da nihontõ, a espada japonesa.
ORIGENS DA ESPADA JAPONESA
Benedicto Ferri de Barros, apaixonado pesquisador da nihontõ, escreveu uma vez que "de todos os artefatos produzidos pelo homem, nenhum supera a espada japonesa em perfeição artesanal, em riqueza artística, em amplitude de significado cultural, em duração histórica, em conteúdo espiritual. Sob um ou outro desses aspectos ela poderá ser sobrepujada por uma ou outra classe de objetos; nenhuma a ultrapassa no conjunto dessas características". E ele não estava exagerando. Tão diversificado em especificidades é o assunto, que é um desafio explicar numa forma resumida algo tão complexo.
Espadas são das mais antigas armas fabricadas pela humanidade, daí que no mundo inteiro e de acordo com culturas locais a espada é um objeto ao qual se deu diferentes simbologias e significados. Via de regra, a espada representa força e poder, dado sua finalidade primeira de ser uma arma. De tal modo uma espada inspirava poder, que a humanidade passou a imputar ao objeto características similares a uma pessoa, tanto que lhe eram nomes individualizantes. No ocidente são famosas as lendas do Rei Arthur e de sua espada, Excalibur. Siegfried, lendário herói germânico, tinha a espada Balmung.
Na literatura, as espadas japonesas mais antigas de que se tem notícia são as relatadas no Kojiki, coletânea de fatos, mitos e lendas da Antigüidade japonesa, considerado o primeiro livro oficial de história do Japão, escrito em 712 d.C. Lendas xintoístas no Kojiki relatam que Amaterasu, a deusa do sol, entregou três objetos a seu neto Ninigi no Mikoto, quando o incumbiu da missão de governar o Japão. Um desses objetos foi uma espada, batizada de Kusanagi no Tsurugi. Esses três objetos - um espelho, um colar e a espada - são chamados de "Tríade Divina", ou "Os Três Tesouros Sagrados". A Kusanagi no Tsurugi é curta, com cabo e lâmina forjados numa só peça parecendo um gládio romano, e encontra-se guardada no templo de Atsuta, em Nagoya. Jimmu Tennõ, filho de Ninigi no Mikoto e historicamente considerado o primeiro imperador do Japão, herdou "Os Três Tesouros Sagrados", que desde então tornaram-se símbolos do poder imperial.
Há atualmente a idéia pré-concebida de que "espada japonesa" seja a kataná, a espada curva com corte apenas de um lado usada pelos samurais. Poucos sabem, entretanto, que na origem os japoneses usavam e fabricavam espadas bem diferentes da kataná. Aliás, existem vários tipos de espadas japonesas, além da kataná. Nos séculos VII e VI a.C., épocas em que se acredita que tenha vivido o lendário Jimmu Tennõ, os japoneses aprenderam a arte da manufatura de espadas de artesãos chineses. Assim, as espadas na Antigüidade japonesa eram feitas no estilo das espadas chinesas: longas ou curtas, mas retas e com ponta dupla (forma de flecha). Este tipo de espadas são chamadas de tsurugi. Muitas dessas espadas foram encontradas em escavações arqueológicas de túmulos do período Kofun (300 d.C. a 710 d.C.).
No século VII d.C., viveu o primeiro dos grandes mestres artesãos de espadas japonesas: Amakuni. Ferreiro do imperador Mommu Tennõ, Amakuni criou durante sua carreira uma nova forma de espadas, pronunciadamente encurvada e de ponta dupla, com corte de um só lado da lâmina virado para cima. Longa (75cm em média), usada pendurada por correntes com uma cinta, esse tipo de espada foi chamada de tachi. Adotada pela alta aristocracia, as tachi foram as precurssoras das katanás dos samurais. Refinadas e decoradas, as tachi tinham mais função cerimonial do que uso em batalha.
A NECESSIDADE FEZ A ESPADA
Embora espadas tenham existido desde a Antigüidade no Japão, nem sempre elas foram símbolo de uma classe guerreira e nem eram exatamente populares. Antes de se tornarem a classe governante no Japão, os samurais eram acima de tudo exímios cavaleiros e habilidosos arqueiros. Tão marcante era tal habilidade dos samurais, que o código de conduta deles era chamado de Kyûba no Michi (O Caminho do Arco e do Cavalo).
Surgido no século X, o Kyûba no Michi era um conjunto de ensinamentos que procurava impor regras de conduta moral e de etiqueta na guerra, em tempos nos quais não haviam leis ou normas escritas para tanto. Além de preconizar treinamento físico, defendia ideais de coragem, de destemor à morte, de impassividade e de cavalheirismo, sendo um dos deveres do samurai proteger as mulheres. De influência xintoísta, o Kyûba no Michi transmitia valores de ética e comportamento usando figuras de linguagem com as armas e objetos usados pelos samurais.
No raciocínio do Kyûba no Michi, a espada representa o homem, e a bainha a mulher. Além do sentido fálico, há a conotação de que a espada representa características consideradas "masculinas", como poder, força e agressividade. Por isso, o complemento ideal da espada é a saya (bainha), que representa características "femininas", como beleza e passividade. "Uma bainha sem espada é um ornamento oco; uma espada sem bainha é usada em demasia", diz um dos antigos provérbios que sobreviveu até nossos dias. Tais ideais práticos foram posteriormente alterados e substituídos na Era Edo (1603-1867), com o advento do Bushido (O Caminho do Guerreiro). Até meados do século XV, a arma mais popular era a yari (espada curta, reta ou curva, montada num cabo longo como uma lança), típica dos ashigaru (guerreiro à pé, de camada inferior).
Um confronto histórico marcou o desenvolvimento da espada que se tornaria sinônimo de espada japonesa: a kataná. Em 1274, o imperador mongol da China, Kublai Khan, neto do conquistador Genghis Khan, enviou tropas por mar para invadir o Japão. Embora os japoneses tenham conseguido rechaçar a invasão, perceberam que os mongóis possuiam armaduras mais resistentes e que precisavam de espadas mais eficientes. Certos de que os mongóis fariam uma outra tentativa de invasão, os japoneses desenvolveram a kataná, espada levemente encurvada com ponta em forma de cunha, empunhadura longa para duas mãos e lâmina comprida com corte unilateral, medidindo em média de 60 a 70 cm.
Podendo ser segurada com as duas mãos, um golpe com a kataná aproveita toda a força de uma pessoa de modo mais eficaz. Sua forma é ideal para rápidos golpes de corte. Sua lâmina larga e resistente é praticamente inquebrável, e a ponta em forma de cunha permitia atravessar a armadura mongol. Quando os mongóis voltaram a atacar, em 1281, a kataná foi posta à prova. Encontrando os japoneses melhor preparados, os mongóis não conseguiram conquistar territórios ao desembarcar, e tiveram que voltar aos seus navios. Um tufão varreu a frota mongol, afundando-a de vez. A este evento natural os japoneses deram o nome de kamikaze (vento divino), acreditando que os deuses haviam enviado o tufão para proteger o Japão.
Em tempos de paz, mestres alfagemes tinham tempo e inclinação para fazer espadas refinadas e artísticas, mas em tempos de guerra a demanda é por quantidade, e a qualidade é colocada em plano secundário. Na Era Kamakura (1192-1333) foram criadas técnicas altamente artísticas, a ponto deste período também ser conhecido como a "era dourada" da manufatura de espadas. Foi nesse período que viveu Gorõ Nyûdõ Masamune, conhecido como "Masamune", considerado o maior mestre artesão de espadas de todos os tempos, e muitos de seus famosos e renomados discípulos, como Kunitsugu Rai, Sadamune Soshu e Yoshihiro Go. Entretanto, na Era Muromachi (1333-1573), sangrentas e contínuas guerras internas no Japão tornaram-se norma. O enfraquecimento do poder imperial deu lugar a disputas entre daimyõs (líderes feudais), uns contra os outros na disputa pelo poder sobre o país, e permitiu a ascenção dos samurais à classe dominante. Muitas espadas de boa qualidade encomendadas pelos emergentes daimyõs foram feitas nesse período, mas a necessidade de armar crescentes tropas particulares de samurais fez com que as altamente artísticas técnicas da Era Kamakura fossem abandonadas em favor de espadas utilitárias.
UM NOVO PAPEL PARA A ESPADA
Basicamente armados com espadas, lanças e arcos-e-flechas, os exércitos particulares dos daimyõs tinham forças equilibradas, e esse período de guerras intermináveis arrastou-se por séculos. Em 1543 um fato novo mudou tal situação: navegantes portugueses - os primeiros ocidentais a chegar ao Japão - introduziram armas de fogo no país: os arcabuzes, chamados de teppõ pelos japoneses. As armas de fogo foram rapidamente assimiladas pelos daimyõs, que as entregaram as suas fileiras de ashigarus. Foi com o uso criterioso de arcabuzes que Nobunaga Oda, filho de um pequeno senhor de terras, alcançou proeminência derrotando grandes e tradicionais daimyõs, tomou a capital Kyoto e se fez shõgun (general supremo, governante de fato do Japão) em 1568. Em termos de eficiência em batalha, as armas de fogo superavam as melhores espadas e os melhores espadachins. Em 1588, Hideyoshi Toyotomi, um general de Oda, fez publicar o Kataná-gari, édito que proibiu a todos os que não fossem membros do bushi (classe guerreira) a posse ou porte da espada. A partir de então, a kataná tornou-se sinônimo de samurai, enquanto as armas de fogo só eram usadas por plebeus.
Quando Ieyasu Tokugawa, outro general de Oda, unifica o país e toma o poder em 1603 assumindo o título de shõgun, inicia-se no Japão um período de paz interna, marcado por uma crescente política isolacionista do resto do mundo, e a ascenção da classe samurai ao governo e ao topo da pirâmide social. Neste período, conhecido como Era Edo (1603-1867), o governo xogunal exercido por descendentes de Tokugawa passaram a restringir a fabricação e o uso de armas de fogo, a ponto de praticamente tirá-las de circulação. Paralelamente a essas medidas, tornou-se crescente a política de valorização da kataná.
O conceito da kataná como "alma do samurai" tem suas raízes no início do xogunato Tokugawa. Embora culturalmente sempre tenha havido uma reverência pela espada, a ídéia de "alma" adveio de uma necessidade do governo de dar presentes de alto valor para nobres e líderes aliados. Séculos antes, tais presentes seriam concessões de terras, mas nos tempos do xogunato as terras existentes já tinham proprietários e novos territórios, num arquipélago, eram quase impossíveis de se obter. Katanás de qualidade e de acabamento artístico passaram a ser manufaturadas com tal finalidade. Espadas antigas, de alta qualidade e feitas por artesãos renomados, passaram a ser consideradas presentes extremamente especiais, reservadas a membros da família do shõgun. Nesta época surge a arte do kantei: a habilidade de avaliar uma espada de acordo com a época que foi feita, o fabricante e a qualidade, bem como a de apreciar suas características e mínimos detalhes, como as variações de ondulação e brilho da hada, têmpera da lâmina que se assemelha visualmente ao cerne de madeira de lei.
Visando se manter indefinidamente no poder, o clã Tokugawa interveio em todos os aspectos da vida na sociedade japonesa por meio de leis, impôs regras de etiqueta na corte em Edo, e patrocinou publicações para serem adotadas no ensino e treinamento dos samurais. Num período sem guerras, os samurais tornaram-se fundamentalmente funcionários públicos e burocratas, e apenas num sistema que privilegiasse a obediência cega os Tokugawa conseguiriam alguma fidelidade dos samurais e se manteriam no poder. Foi sob tais circunstâncias históricas que nasceu o Bushido (O Caminho do Guerreiro).
Assim, a espada ganhou enorme função simbólica na sociedade japonesa. Símbolo da classe dominante, ela impunha às pessoas comuns mais medo que respeito pelos samurais, uma vez que estes tinham literalmente licença para matar de imediato qualquer popular que eles entendessem ter agido desrespeitosamente. Na etiqueta palaciana, o modo pelo qual se portava ou segurava a espada podia ser entendido como um ato de traição punível com a morte. Por ter apenas desembainhado sua espada no palácio do shõgun em 1701, embora diante de grave e desonesta provocação de um inimigo, Naganori Asano, daimyõ do feudo de Akõ, foi condenado a cometer seppuku (suicídio ritual). Mesmo destituídos de mestre e desonrados, ex-samurais de Asano se uniram num engenhoso plano e mataram o homem responsável pela morte de seu mestre, passando para a história como os heróis da Akõgishi (Crônicas dos Bravos de Akõ), conhecida na dramaturgia japonesa como Chûshingura (O Tesouro dos Leais Servidores), ou "Os 47 Ronins".
O BANIMENTO DA KATANÁ
Ao longo do século XIX, o Japão sofreu fortes pressões das potências ocidentais para abrir seus portos, até que finalmente o governo Tokugawa entrou em colapso. Após uma guerra civil entre defensores do isolacionismo xogunal e dos que queriam a restauração do poder ao imperador, com a abertura do Japão ao ocidente, adveio a chamada Era Meiji (1868-1912).
Entretanto, não se mudam hábitos e valores de séculos do dia para a noite, e houve resistência dos samurais, mesmo diante da derrota na guerra civil e da irreversível modernização do país. Em 1876, o imperador Meiji baixou o édito Haitorei, que proibiu a todos indistintamente o porte de armas de fogo e e armas brancas. Proibidos de portar suas espadas, os samurais passaram à condição de cidadãos comuns, e do dia para a noite a atividade de produção de katanás foi cortada a zero. A maioria dos alfagemes foram obrigados a sobreviver de outras atividades; alguns poucos passaram a produzir tesouras, facas de cozinha e ferramentas de corte para marcenaria (áreas nas quais curiosamente o Japão até hoje é internacionalmente reconhecido por sua alta qualidade). Tamanho foi o descontentamento e decepção dos samurais com o Haitorei, que em 1877 uma rebelião liderada por Takamori Saigo, samurai que durante a guerra civil apoiou a restauração imperial e foi um dos líderes intelectuais do novo governo, reuniu milhares de samurais em Kagoshima, sul do Japão. Armadas com modernas armas de fogo, tropas imperiais sufocaram a rebelião e Saigo cometeu suicídio ritual.
Posteriormente, à medida que a militarização cresceu no Japão avançando pelo século XX, a necessidade de armar soldados com espadas retomou a produção, mas a quantidade requereu fabricação industrial. As katanás "Tipo 94" e "Tipo 95", feitas para oficiais do exército e da marinha até a 2ª Guerra Mundial, pareciam-se com katanás tradicionais, mas eram feitas de uma única placa metal industrializado, recebendo um número de série ao invés da assinatura de um artesão. Houve, felizmente, alguns indivíduos que procuraram preservar a manufatura tradicional com acabamento artístico neste período infeliz, como os membros da família Gassan. Um deles, Sadakatsu Gassan, chegou a receber o prestigioso título de "Tesouro (ou Patrimônio) Vivo Nacional", dado a artistas que contribuiram sobremaneira à identidade japonesa.
Com a derrota na 2ª Guerra, e sob o governo de ocupação americano (1945-1952), as forças armadas japonesas foram dissolvidas e a produção de katanás, que devido ao conflito adquiriram a imagem de "arma maligna símbolo do inimigo", foi proibida e adotaram-se medidas para recolher todas as espadas que estivessem em posse da população, a fim de destruí-las. Diante de tal situação, um senhor chamado Junji Honma pediu uma audiência pessoal com o comandante do governo de ocupação, o general Douglas MacArthur. Neste encontro, o professor Honma apresentou ao general várias espadas japonesas de diferentes períodos históricos, e rapidamente MacArthur aprendeu a diferenciar uma espada de valor artístico de uma mera espada utilitária. Graças a esta reunião, muitas espadas foram salvas da destruição, e o general amenizou as medidas de destruição de espadas limitando-as às guntõ ("espadas das forças armadas", katanás produzidas em série), permitindo que espadas de valor artístico pudessem ser preservadas e possuidas por particulares. Mesmo assim, muitas katanás foram vendidas a soldados americanos, que as compravam por uma ninharia. Outras, como ocorre em tempos de guerra, foram roubadas. Outras foram escondidas pela população, e assim permanecem. Por esta razão, há mais katanás hoje nos Estados Unidos que no Japão - cerca de um milhão de espadas - a maioria guntõ tiradas de soldados japoneses mortos na guerra .
No pós-guerra o prof. Honma fundou a Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai (Sociedade Para a Preservação das Espadas Artísticas do Japão), em torno da qual reuniram-se os poucos alfagemes e especialistas que hoje se dedicam a preservar a arte e a tradição das espadas japonesas. Mas boa parte do esforço da entidade está em divulgar a espada japonesa, mesmo para os japoneses. Calcula-se que não mais de 1% dos japoneses atualmente tenha visto ou empunhado uma kataná tradicional legítima. Uma série de motivos cercou a espada japonesa de rituais e etiqueta, que levam a restringir sua exibição a estranhos que não sejam seus possuidores, dificultando mais ainda que as pessoas tenham algum conhecimento do assunto e preservem sua tradição. Somente a partir da criação da Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai, devidamente autorizada pelas forças de ocupação e reconhecida pelo governo japonês, que estudiosos e conhecedores da nihontõ puderam ter acesso a coleções particulares e realizar exposições.
Atualmente fabricam-se versões industrializadas e baratas de katanás sem corte, para mera decoração ou para prática esportiva de artes marciais. A maioria das vendidas no ocidente são feitas na China. Imitações produzidas em série, tais espadas carecem de acabamento artesanal ou artístico e são pouco resistentes, podendo facilmente quebrar-se ao receber o golpe de outra kataná.
PROCESSO DE MANUFATURA DE UMA KATANÁ
Antigamente, o processo de manufatura de uma espada era considerado um ato sagrado, um ritual religioso. Mestres alfagemes eram, via de regra, monges ou seguidores da seita Yamabushi (seita asceta de origem xintoísta, posteriormente absorvida por escolas budistas), ou da Shugendõ (seita derivada da Yamabushi, também conhecida como "budismo de montanha"). Antes de começar a forjar uma espada, esses artesãos realizavam ritos de purificação corporal, e abstinham-se de saquê e de sexo enquanto a espada não fosse terminada. Eles acreditavam que kamis (espíritos, deuses) os inspiravam e os acompanhavam no processo, e por isso cada espada tornava-se "moradia" de um espírito quando terminada.
Após a 2ª Guerra Mundial, muito do conhecimento da fabricação tradicional artesanal da kataná se perdeu. Atualmente, por iniciativas individuais de apreciadores que se dedicam à recuperação de tais técnicas, alguns artífices retomaram a manufatura tradicional de katanás pesquisando antigos escritos e ilustrações ainda existentes sobre o assunto. Arami Meizukushi, um tratado sobre espadas escrito por Hakuryûshi (pseudônimo de Katsuhisa Kanda) em 1712, virou obra de referência. Artigos escritos por Munetsugu, mestre alfageme que viveu no século XIX e viajou por todo o Japão ensinando sua arte, gerando uma onda de produção de katanás hoje chamada de Movimento da Shin-shintõ (novíssima espada japonesa), formam um evangelho para os modernos artesãos. A criação da Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai (Sociedade Para a Preservação das Espadas Artísticas do Japão) centralizou tais esforços, e mantém a missão de divulgar e preservar espadas e técnicas tradicionais de produção.
Tanto antigamente como hoje, uma kataná tradicional é basicamente feita com três instrumentos rudimentares: uma tenaz, um malho e uma bigorna. O processo baseia-se no antigo método chinês de aquecer, dobrar e achatar o metal repetidas vezes, até conseguir dar a forma que se deseja ao metal. Apesar de ser um trabalho fisicamente estressante, sujo e em ambiente quente, os ferreiros japoneses vestem-se de branco.
O que dá à kataná sua especial característica de resistência - praticamente inquebrável e capaz de cortar o cano de uma metralhadora - está no uso de dois tipos de metal fundidos numa só lâmina. Primeiramente aquece-se, bate-se e molda-se o "miolo" da lâmina com um metal mais "mole", e numa segunda etapa, acrescenta-se uma capa de metal mais "duro", que ficará na parte externa. Repete-se o processo de aquecer, bater e moldar quantas vezes forem necessárias o "sanduíche" de metais de diferentes resistências, até se obter uma única lâmina. Blocos de metais de diferentes resistências são basicamente obtidos variando-se a quantidade de ferro e carbono na composição de cada bloco. A "dura" área externa da lâmina é ideal para ser polida e e afiada. O interior "mole" absorve o impacto que a lâmina recebe ao se chocar com outra área dura, evitando que ela se parta.
A diferença de composição das ligas de metal é crucial na formação da curvatura da kataná. Embora o alfageme molde a lâmina enquanto o metal está quente, o formato preciso desejado pelo artesão só será obtido no súbito resfriamento final, quando ele mergulhar a lâmina em água. Antes de resfriar a lâmina, ele passa argila onde ela será afiada, e o modo pelo qual ele mergulha a lâmina na água define se a lâmina se tornará uma espada, ou se o artesão precisará recomeçar o trabalho do zero. A diferença de composição dos metais no interior e no exterior da lâmina faz com que, no resfriamento, a lâmina se contraia e produza a forma final da curvatura. Neste instante, é comum que a lâmina sofra rachaduras, ou fique com uma curvatura incorreta ou indesejada, e o trabalho seja perdido. Em média, 5 lâminas são descartadas, e na sexta tentativa é que o artesão consegue aquela que irá finalmente tornar-se uma espada, o que torna todo o processo demorado (que varia de horas a semanas). Na área que foi coberta com argila, aparecem as primeiras formas da hada (têmpera ondulada). O uso de metais de diferentes resistências na moldagem da lâmina e o modo de encurvar a lâmina são processos desenvolvidos pela metalurgia tradicional japonesa.
A lâmina produzida pelo alfageme vai em seguida para outro especialista: o polidor. Usando apenas pedras para polir e afiar e as próprias mãos, o polidor exaustivamente esfrega a lâmina até obter o máximo de seu brilho e dar-lhe um corte afiado como o de uma navalha. Nas mãos dele os detalhes da hada virão à tona no máximo de seu esplendor. Finalmente, a lâmina estará pronta para ir para outro mestre: o montador. Verdadeiro artista, o montador não apenas faz o acabamento da lâmina, montando os acessórios fabricados pelo alfageme já devidamente limpos pelo polidor, como irá preparar a empunhadura com fitas de tecido resistentes habilmente trançadas e pequenas peças decorativas em bronze, osso ou marfim (algumas dessas peças são amuletos). Por fim, é feita a peça maior do montador: a saya (bainha). Feita em couro ou madeira, encerada ou laqueada, a saya é feita para acondicionar a kataná e seus acessórios com precisão, de tal modo que cada saya serve apenas para a kataná para a qual ela foi feita. Entre polimento e montagem, é comum que se demore mais 3 ou 4 semanas.
Finalmente, a kataná pronta volta ao alfageme, que fará a análise final para certificar-se de que a espada atende suas expectativas. Aprovada, a espada está apta a receber a mei, a assinatura do artesão (quando a espada não é assinada, ela é chamada de mumei kataná, "espada sem assinatura"). Após um ritual para purificar e consagrar a nova espada, ela está pronta para cumprir seu destino, seja qual ele for.
TIPOS DE ESPADAS JAPONESAS

A grande maioria das espadas japonesas legítimas foi feita artesanalmente e sob encomenda, adequando-se a características e necessidades pessoais. Isso faz com que nenhuma espada seja exatamente igual a outra, e que nenhuma padronização de medidas tenha sido aplicada com absoluta precisão, mesmo quando houve produção maciça de katanás.
Espadas japonesas são medidas em unidades de shaku (1 shaku mede aproximadamente 30,3 centímetros), ou 10/33 metros. Também existem as medidas sun (um décimo de shaku), bu (um centésimo de shaku) e rin (um milésimo de shaku).
- Chisa-kataná: é uma kataná média, medindo entre 60 e 70 cm (um pouco mais longo que a wakizashi, mas mais curto que a kataná).
- Daitõ: nome que se dá a qualquer espada longa, com lâmina medindo mais de 2 shaku (mais de 60 cm).
- Daisho: nome que se dá ao conjunto de uma kataná com uma wakizashi (duas espadas de samurai similares, diferentes apenas no comprimento).
- Kataná: espada curva com ponta em forma de cunha, empunhadura longa para duas mãos e lâmina comprida com corte unilateral, medidindo em média de 60 a 70 cm, podendo ser mais longa. Ideal para rápidos golpes de corte e resistente, foi adotada pela classe guerreira (bushi).
- Kodachi: é a tachi curta, com lâmina que mede mais de 1 shaku e menos de 2 (entre 30 e 60 cm).
- Kozuka: pequena e fina faca utilitária, feita para se encaixar entre a saya (bainha) e a tsuba (guarda, placa redonda chata e vazada para proteger as mãos) de uma kataná. Seu cabo trabalhado serve de complemento decorativo da saya.
- Naginata: espada curta montada num cabo longo, lança. Também chamada de yari.
- Nodachi: kataná extraordinariamente longa, chegando a medir 3 shaku (90 cm), que é carregada nas costas. É o mesmo que õdachi.
- Sai: tridente com lâmina central mais longa que as lâminas laterais, usada para deter golpes de um adversário com uma kataná. Dela deriva o jitte, cassetete fino de metal sem ponta viva, com um gancho no lugar do copo da empunhadura, usada por policiais na Era Edo (1603-1867).
- Shotõ: nome que se dá a qualquer espada curta, com lâmina medindo mais de 1 shaku e menos de 2 (entre 30 e 60 cm).
- Tachi: refinada espada pronunciadamente encurvada de ponta dupla, com corte de um só lado da lâmina. Longa (75cm em média), usada pendurada por correntes com uma cinta, esse tipo de espada foi adotada pela alta aristocracia a partir do séc. VII.
- Tantõ: adaga; lâmina com menos de 1 shaku (30 cm). Usada em suicídio ritual.
- Tsurugi: espada de dois gumes e ponta dupla, similar às espadas ocidentais antigas, feita no Japão na Antigüidade. Seu formato e forma de fabricação baseavam-se em modelos e técnicas da China.
- Wakizashi: é a kataná curta, medindo de 30 a 60 cm.
CLASSIFICAÇÃO HISTÓRICA DAS ESPADAS JAPONESAS
Espadas japonesas, de acordo com a época em que foram produzidas, são classificadas nos períodos abaixo descritos. Há porém discrepâncias entre as datas exatas do período de abrangência de tais períodos, que variam de acordo com a fonte de informação ou autor. A classificação a seguir consta da "Japan Encyclopedia" de Louis Fréderic, publicada pela Universidade de Harvard.
- Jokotõ: "espada antiga"; engloba espadas manufaturadas até meados da Era Heian (794 -1192), por volta do ano 900. Também é chamado de período Chokutõ.
- Kotõ: "espada velha"; espadas feitas entre o ano 900 até o final da Era Muromachi (1333-1573)
- Shintõ: "espada nova"; as que foram manufaturadas do início da Era Azuchi-Momoyama (1574-1603) a meados da Era Edo (1603-1867), por volta de 1804.
- Shin-shintõ: "espada novíssima", ou "espada moderna"; classificação genérica para todas as espadas feitas a partir de 1804.
- Fukkõtõ: "espada do ressurgimento"; especifica espadas feitas de 1804 ao fim da Era Edo (1867).
- Kyûshintõ: espadas feitas do início da Era Meiji (1868-1912) a 1937, quando se inicia a intervenção na China, ano que os japoneses consideram o início da 2ª Guerra.
- Shinguntõ: "espada do exército"; feitas de 1937 a 1945 (fim da 2ª Guerra Mundial) para o exército.
- Kaiguntõ: "espada da marinha"; feitas de 1937 a 1945 (fim da 2ª Guerra Mundial) para a marinha.
(obs.: tanto as "espadas do exército" como as "espadas da marinha" são classificadas genericamente como Guntõ, "espadas das forças armadas")
PARA SABER MAIS SOBRE A ESPADA JAPONESA
O site Cultura Japonesa recomenda os seguintes livros:
-THE CONNOISEUR'S BOOK OF JAPANESE SWORDS, de Kokan Nagayama, publicado pela Kodansha International.
-THE CRAFT OF THE JAPANESE SWORD, de Leon e Hiroko Kapp, publicado pela Kodansha Intl.
-THE JAPANESE SWORD: A COMPREHENSIVE GUIDE, de Kanzan Sato, publicado pela Kodansha Intl.
Os livros acima podem ser adquiridos pela internet, através dos sites da Amazon (www.amazon.com) e da Barnes & Noble (www.bn.com), ou por encomenda através da Casa Ono (casaono@uol.com.br).
-A MAGIA DA ESPADA JAPONESA, de George Guimarães, publicado pela Cultrix. Difícil de encontrar disponível em lojas, mas pode ser encomendado através das livrarias Saraiva e Cultura.
-JAPÃO, A HARMONIA DOS CONTRÁRIOS, de Benedicto Ferri de Barros, publicado por T.A. Queiroz. Embora esteja esgotado, o livro é suscinto e ideal para os que querem se iniciar no assunto. O autor foi o primeiro brasileiro reconhecido como especialista em espadas japonesas e membro da Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai (Sociedade Para a Preservação das Espadas Artísticas do Japão). Disponível para consulta na biblioteca da Fundação Japão (Av. Paulista, 37 - 2º and., São Paulo/SP).
Na tevê paga, o canal History Channel freqüentemente reprisa o ótimo documentário MESTRES: MASAMUNE, sobre o artesão que viveu no século XIII e que é considerado o melhor forjador de espadas do Japão de todos os tempos. É preciso consultar na grade de programação ou com a operadora quando o documentário virá ao ar novamente.
kimono
"Vestuário" em japonês fala-se ifuku. Cristiane A. Sato, colaboradora do CULTURA JAPONESA, aborda neste artigo a história e a evolução do vestuário tradicional no Japão, e de como foi sempre fazendo parte da moda que o kimono não apenas tornou-se reflexo da cultura, como mantém-se vivo no cotidiano dos japoneses há mais de 2 mil anos.
Observação: neste artigo adotou-se a grafia Hepburn kimono, embora também seja considerada correta a grafia "quimono", uma vez que expressão que já se encontra incorporada ao português e consta dos dicionários da língua portuguesa.
RESPOSTA A UMA PERGUNTA
Kimono em japonês significa literalmente "coisa de vestir". Fora do Japão essa expressão designa genericamente uma variada gama de peças e que no conjunto formam um visual considerado típico ou tradicional japonês, mas também é sinônimo da peça principal. No Japão, a peça principal que nós chamamos de kimono é chamada de kosode.
O atual significado da palavra de kimono tem origem no século XVI, quando navegantes ocidentais - principalmente portugueses, espanhóis e holandeses - chegaram ao arquipélago. Nos primeiros contatos com os japoneses, sem conhecerem os idiomas de uns e de outros, os ocidentais perguntavam com mímicas e gestos qual era o nome das roupas de seda que viam os japoneses usarem, e os japoneses respondiam kimono. Era como alguém perguntando a um japonês: "Como se chama sua roupa?" E o japonês respondia: "Roupa". Foi assim que a palavra kimono tornou-se designação moderna do vestuário tradicional japonês.
No Japão o vestuário divide-se em duas grandes categorias: wafuku (vestimenta japonesa ou de estilo japonês) e yofuku (vestimenta ocidental ou de estilo ocidental).
A história do vestuário japonês é em grande parte a história da evolução do kosode, e de como os japoneses adaptaram a seus gostos e necessidades estilos e a produção de tecidos vindos do exterior.
NA ANTIGÜIDADE
Não se sabe ao certo como eram as roupas usadas na Pré-história japonesa (Era Jomon - 10 mil a.C. a 300 a.C.), mas pesquisas arqueológicas indicam que provavelmente as pessoas usavam túnicas de pele ou de palha. Na Era Yayoi (300 a.C. a 300 d.C.) a sericultura e técnicas têxteis chegaram ao Japão através da China e da Coréia.
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O Príncipe Shotoku e dois de seu filhos: penteados, túnicas e acessórios de forte inspiração chinesa na corte imperial japonesa.Agência da Família Imperial, Tóquio, Japão |
Dos séculos IV a IX, a cultura e a corte imperial no Japão receberam forte influência da China. Influenciado pela recém-importada religião budista e pelo sistema de governo da corte Sui chinesa, o regente japonês Príncipe Shotoku (574-622) adotou regras de vestuário estilo chinês na corte japonesa. Posteriormente, com o advento do Código Taiho (701) e do Código Yoro (718, eficaz só a partir de 757), as roupas na corte mudaram seguindo o sistema usado na corte Tang chinesa, e foram divididas em roupas cerimoniais, roupas de corte, de roupas de trabalho. Foi nesse período que passou-se a usar no Japão os primeiros kimonos com a característica gola em "V", ainda similares aos usados na China.
OPULÊNCIA TÊXTIL
Na Era Heian (794-1185) o contato oficial com a China foi suspenso pela corte imperial, e esse afastamento permitiu que formas de expressão cultural genuinamente japonesas florescessem nesse período. No vestuário isso se refletiu em um novo estilo, mais simples no corte, mas mais elaborado em camadas e sofisticação têxtil.
Os homens da aristocracia passaram a usar o sokutai, um conjunto formal composto por uma ampla saia-calça chamada oguchi, cuja aparência recheada e firme se deve a várias camadas de longos kimonos por baixo chamados ho, e uma enorme túnica bordada, de mangas longas e amplíssimas e uma cauda de cerca de 5 metros. Uma tabuleta de madeira chamada shaku e uma espada cerimonial longa, a tachi, eram complementos obrigatórios. Os homens ainda deviam usar um penteado chamado kammuri - composto basicamente por um chapeuzinho sólido preto e uma ou mais fitas de seda engomadas na vertical, tudo preso ao cabelo. De acordo com variações (haviam 5 delas, referentes a quantidades de fita, se ela enrolada, se ela pendia do chapéu, etc), sabia-se o status ou grau de importância do indivíduo na corte. Uma versão simplificada do sokutai, o ikan, é usada atualmente pelos sacerdotes xintoístas.
As damas da corte usavam o igualmente amplo e impressionante karaginumo, mais conhecido pelo nome adotado após o século XVI jûni-hitoe, ou "as doze molduras da pessoa". Trata-se de um conjunto de nada menos que doze kimonos da mais fina e luxuosa seda sobrepostos chamados de uchiki, cada um levemente mais curto que o anterior, de modo a deixar golas, mangas e barras aparecendo em discretas camadas, criando um efeito multicolorido de impacto. O último uchiki, que serve de sobretudo, era bordado e era freqüentemente complementado por um cinto amarrado à frente em forma de laço no mesmo tecido, e uma cauda que podia ser em outra cor ou textura. Um enorme leque decorado com cordões de seda e um tipo de carteira de seda, encaixada na gola entre a 3ª e a 4ª camada, eram complementos obrigatórios. As mulheres não cortavam os cabelos: eram usados longuíssimos, lisos, soltos sobre as costas ou simplesmente amarrados um pouco abaixo da altura do pescoço, freqüentemente com as pontas arrastando no chão sobre a cauda do jûni-hitoe.
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Reprodução moderna de um jûni-hitoe, usado na Era Heian (794-1185).TNM Image Arquives |
ESTILO SAMURAI
Na Era Kamakura (1185-1333), o advento do xogunato e o declínio do poder e do prestígio da corte imperial trouxe ao vestuário novos estilos adotados pela ascendente classe dos samurais. Na corte imperial e do xogum os grandes senhores e oficiais mais altos ainda usavam o formal sokutai, mas o kariginu, antes um traje de caça informal da aristocracia - um tipo de capa engomada com gola arredondada, longas e amplas mangas que podiam ser decoradas com cordões - foi amplamente adotado pelos senhores feudais e samurais.
As mulheres passaram a usar uma combinação de uchikis com um hakama, saia-calça ampla com placa de sustentação nas costas, usada também por homens. Com o tempo, uso do uchiki deu lugar ao kosode, que comparado ao uchiki é menos amplo, tem mangas mais curtas, e cuja forma aproxima-se mais dos kimonos modernos. A amarra para fechar o kosode era feito com faixas estreitas, na altura da cintura ou pouco abaixo da barriga.
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Na Era Muromachi (1333-1568) acrescentou-se o uchikake - também chamado de kaidori - um kimono com a mesma forma mas um pouco mais amplo que o kosode, que serve de sobretudo e que podia ou não ter barra almofadada. O kosode com uchikake era o traje formal feminino das altas classes. Hoje em dia o uchikake faz parte do traje de noiva tradicional. |
Uchikake usado em peças Nô, confeccionado no século XVIII - National Museum, Tokyo |
Na Era Azuchi-Momoyama (1568-1600), período marcado por constantes guerras pelo poder entre os generais Hideyoshi Toyotomi e Nobunaga Oda, os samurais continuaram a usar coloridos e ricos conjuntos de peças superiores com calças, chamados de kamishimo - um kimono masculino com uma saia-calça ampla, longa e estruturada chamada nagabakama, tudo feito no mesmo tecido, às vezes complementado por uma jaqueta sem mangas, com ombros alargados e estruturados em tecido diferente. O kamishimo continuou sendo usado até a segunda metade do século XIX.
GOSTOS BURGUESES
Durante os 250 anos de paz interna do xogunato Tokugawa (1600-1868), os chõnin (burgueses, ricos comerciantes) deram apoio a novas formas de expressão artística e cultural que não mais derivavam da corte imperial ou da corte do xogum. O teatro kabuki e os "bairros do prazer" nas cidades de Edo (Tóquio), Osaka e Kyoto ditavam moda. O kosode, que se tornou o traje básico para homens e mulheres, passou a ser mais decorado, seja pelo desenvolvimento de técnicas de tingimento como yuzen e shibori, seja por outras técnicas artesanais de decoração têxtil com pintura, bordados e desenhos desenvolvidos no tear. Os obis femininos, faixas largas e compridas usadas para fechar os kosodes, feitos em brocado com fios de ouro e prata, ganharam ênfase na moda e viraram símbolos de riqueza.
A haori, uma jaqueta com mangas amplas e gola estreita feita de seda, na qual bordava-se ou imprimia-se símbolos que representavam a atividade profissional da pessoa ou a insíginia (kamon, ou escudo circular) do chefe da família, passou a ser amplamente usado. Uma versão popular, de mangas mais estreitas, feita em tecido mais simples e resistente, passou a ser usada por trabalhadores e funcionários de estabelecimentos comerciais. Chamada de happi, essa peça ainda é muito usada.
Algumas peças surgidas no início desse período refletem influência portuguesa. A kappa (capa longa de corte circular, com ou sem gola, sem mangas, usada como sobretudo) deriva das capas usadas pelos navegantes portugueses, assim como a jûban (camisa com forma de kimono curta usada como roupa de baixo) deriva do "gibão" português.
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No século XIX, o xogunato refez as normas de vestuário militar, e tornou o kosode, o hakama com barra na altura do tornozelo e o haori o uniforme-padrão dos samurais. O daisho (conjunto de duas katanás - espadas curvas - uma longa e outra curta) e o penteado chonmage - a parte acima da testa é raspada, com os cabelos, compridos na altura dos ombros, presos em forma de um coque na parte superior atrás da cabeça - eram de uso obrigatório.O conjunto kosode, hakama e haori é hoje o traje do noivo em casamentos tradicionais. |
Seibunkasha |
TEMPOS MODERNOS
A partir da Restauração Meiji (1868), os japoneses lentamente adotaram o vestuário ocidental. O processo começou por decreto: o governo determinou que todos os funcionários públicos, militares e civis, passassem a usar roupas ou uniformes à ocidental. Ao final da 1ª Guerra Mundial (1918), quase todos os homens já usavam ternos, camisas, calças e sapatos de couro.
As mulheres adotaram mais lentamente os estilos ocidentais. No início apenas a aristocracia usava vestidos de gala, importados da Europa, usados em algumas ocasiões formais na corte Meiji e em bailes do suntuoso salão Rokumeikan (de 1883 a 1889) em Tóquio. A partir da 1ª Guerra Mundial, mulheres instruídas e com profissões urbanas passaram a usar diariamente roupas ocidentais, mas só após a 2ª Guerra Mundial (1945) foi que o vestuário ocidental passou a ser a regra em todas as classes sociais, homens mulheres e crianças.
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Atualmente a maioria das mulheres usam kimonos apenas em ocasiões especiais, como casamentos e matsuris (festivais populares ou tradicionais). Homens usam kimonos ainda mais raramente. O yukata, kimono leve de algodão estampado, típico de verão, ainda é bastante usado por homens e mulheres nos festivais de verão e em resorts, à ocidental ou estilo japonês. Desde a virada do milênio, entretanto, mais pessoas têm resgatado o uso do kimono no cotidiano, gerando um movimento informalmente apelidado de fashion kimono - kimonos de forma tradicional mas com estampas modernas, obis (faixas de amarrar na cintura) que não amarrotam ou com nós prontos, que agradam a um público mais jovem.
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TIPOS DE KIMONOS
Parece simples, mas não é. Dependendo de estampas e cores, os kimonos seguem uma etiqueta, uma hierarquia cujo uso depende da ocasião, da estação do ano, do sexo, do grau de parentesco ou do estado civil da pessoa que o usa. Veja a seguir os principais tipos de kimono:
Kurotomesode - "mangas curtas preto", kimono preto com profusa decoração das coxas para baixo e com 5 kamons (escudos de família) impressos ou bordados em branco nas mangas, peito e costas. Usado com um obi de brocado dourado, é o kimono mais formal das mulheres casadas, geralmente usado pelas mães do noivo e da noiva num casamento.
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Kurotomesode
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Furisode - "mangas que balançam", kosode feminino cujas mangas possuem 70 cm a 90 cm de comprimento. É o kimono formal das moças solteiras, ricamente estampado, fechado com obi em brocado multicolorido e brilhante amarrado em grandes laços nas costas. É geralmente usado no Seijin Shiki (Cerimônia da Maturidade, no mês de janeiro no ano em que a moça completa 20 anos) e pelas moças solteiras aparentadas da noiva nas cerimônias e recepções de casamento.
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Jovem em furisode.
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Houmongi - "traje de visita", kimono liso de uma só cor, geralmente em tons pastéis, com profusa decoração em um dos ombros e uma das mangas, e das coxas para baixo, sem kamons (escudos de família). Considerado um pouco menos formal que o irotomesode, em cerimônias de casamento é usado por mulheres casadas ou solteiras, que geralmente são amigas da noiva. O houmongi também pode ser usado em festas formais ou recepções.
Tsukesage - Comparado ao houmongi, o tsukesage tem uma decoração um pouco mais discreta e é considerado menos formal que o houmongi. Dos kimonos que podem ser usados diariamente por casadas e solteiras, é o mais requintado.
Iromuji - kimono de uma só cor, que pode ter textura mas sem decoração em outra cor, usado principalmente em Cerimônias do Chá. Pode ter um pequeno bordado decorativo ou um kamon (escudo de família) nas costas. É um kosode semi-formal, considerado elegante para uso diário.
Komon - "estampa pequena", kimono feito com seda estampada com desenhos pequenos repetidos por toda a peça. Considerado casual, pode ser usado para sair pela cidade ou para jantar em um restaurante. Pode ser usado por casadas e solteiras.
Tomesode - "mangas encurtadas", kosode feminino de seda, forrado em seda de cor diferente, cujas mangas possuem 50 cm a 70 cm de comprimento. A expressão deriva do costume de que quando as mulheres se casavam elas passavam a usar kimonos com as mangas curtas - ou cortavam as mangas dos kimonos - como símbolo de fidelidade ao marido. A maior parte dos kosode usados por mulheres são desse tipo.
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Yukata - kimono informal de algodão estampado, sem forro. Mulheres usam os de grandes estampas, geralmente de flores, com obi largo, e os homens usam os de pequenas estampas, com obi estreito.
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KIMONOS CERIMONIAIS INFANTIS
Shichi-go-san (7-5-3) é o nome de uma cerimônia xintoísta na qual as meninas e 7 e 3 anos, e os meninos de 5 anos de idade, vestem kimonos especiais e visitam o templo para pedir saúde e boa sorte em seu crescimento. As meninas são vestidas como mini-gueixas, destacando-se a cor vermelha, e os meninos usam uma versão miniatura de um traje formal completo de samurai. A haori dos meninos são estampadas com imagens de samurais famosos (normalmente a figura de Minamoto no Yoshitsune, também chamado de Ushiwakamaru, herói do Heike Monogatari - O Conto de Heike).
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Menina com o kimono comemorati-
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Menino com o kimono comemorativo de 5 anos - Seikaibunkasha. |
Menina com o kimono comemorativo de 3 anos - Sekaibunkasha. |
DETALHES
Eis a seguir um vocabulário sobre aspectos e acessórios de kimonos:
Geta - sandália de madeira, geralmente usada por homens e mulheres com yukata.
Kanzashi - nome que designa uma série de ornamentos para o cabelo usados com kimono. Podem ter a forma de espetos com terminais esféricos ou diversos formatos decorativos, flores ou de pentes. São feitos em madeira laqueada, tecido, jade, casco de tartaruga, prata, etc.
Obi - faixa usada amarrada à cintura para manter o kimono fechado. Varia em largura e comprimento. Homens em geral usam obis de trama larga e firme, em cores discretas, estreitos, amarrando com um nó às costas circundando a linha abaixo da barriga. Mulheres em geral usam obis em brocado largos, com desenhos feitos no tear, ao redor do tronco e amarrados às costas. Cores e desenhos variam: os mais brilhantes e intrincados são usados em ocasiões formais.
Obijime - cordão decorativo em fio de seda usado para dar acabamento e firmeza à amarra do obi. Usado por mulheres.
Tabi - meia de algodão na altura dos tornozelos ou metade das canelas, com divisão para o dedão do pé, com abertura voltada para o lado entre as pernas.
Waraji - sandálias de palha trançada. Bastante comum décadas atrás, atualmente são mais usadas por monges.
Zõri - sandália com acabamento em tecido, couro ou plástico. Os femininos são estreitos e possuem a ponta mais ovalada, e os masculinos são mais largos, retangulares, com as extremidades arredondadas.
Textos consultados em: https://www.culturajaponesa.com.br/